01 outubro 2009

Let Go

A trincheira que criei para o meu último desejo inconfesso foi derrubada quando a sua boca encostou na minha. Um susto. Uma delícia. Estava inaugurada uma nova era de intimidade entre nossos lábios, muito além dos cigarros e segredos alegremente compartilhados.
(Não é curioso que, me conhecendo tão bem, você ainda não conhecesse o meu gosto?)
Agora eu me entrego em ombros nus e cabelos despenteados ao vento que entra pela janela aberta do seu carro, como me entrego a você sempre que vejo os seus olhos furta-cor se turvando em um tom de verde perigosamente cheio de convites. E eu nunca perco tempo te perguntando para onde estamos indo, porque você não conseguiria me ouvir por causa da música sempre tão alta - e, afinal, para que fazer perguntas tão prosaicas quando a manhã seguinte e a vida real parecem tão distantes?
Sei que o seu mundo é feérico demais para a minha alma de leite quente, mas não me queixo. O momento em que te adoro mais é justamente aquele – pra lá da décima dose, a centímetros de um beijo tantas vezes ensaiado - em que seu sorriso me convence de que não faz sentido calar nossas vontades se tudo passa tão rápido.

01 agosto 2009

Juntar os Cacos

Mil e quinhentos quilômetros de asfalto e promessas não cumpridas nos separam e o seu vulto me assombra em lugares onde você nunca esteve. Nunca as páginas dos livros e o cheiro de roupa lavada estiveram tão impregnados da sua ausência. Tenho pesadelos acordada às 4 da tarde em frente a sinais vermelhos e me sinto meio morta em vida ao pensar naquilo que nunca seremos. As rosas colombianas nas vitrines das floriculturas me ofendem pessoalmente – são lembretes em vermelho de tudo o que você não me deu. Como se eu pudesse esquecer que você me prometeu o idílio das noites na varanda e me deixou na alma um vazio tão grande que eu passo mais tempo perplexa tentando descobrir o que fazer com sua imensidão do que propriamente triste, como seria de se esperar. Empenhei a parte mais bonita de mim em nome de um tipo de amor sem relógios e sem réguas, na ilusão de que essa idéia – tão linda, tão louca – era nossa. Mas ela era só minha. Não reconheço mais os contornos do meu rosto e nem dos meus desejos agora que o espelho se partiu, e sozinha eu não consigo juntar os cacos. Estou exilada de tudo o que me acostumei a ser enquanto fazia parte do seu mundo. Por isso, em videoclipes imaginários, eu jogo os braços em torno de seu pescoço e te suplico que invente um sonho novo onde eu possa morar.

My own private Brasília

- Todo mundo fala que andar em Brasília é fácil. E, realmente, seria fácil me situar aqui se eu visse a cidade de cima, como um tabuleiro de batalha naval. Mas estando DENTRO da cidade as coisas se complicam. Depois de tantas tesourinhas, eu invariavelmente perco o referencial, e sem bússola que me indique de que lado é o norte e de que lado é o sul, eu sempre acabo sem conseguir chegar na W3.

- É fato: o céu de Brasília tem muito mais pantones.

- Setor de Diversões. Setor Policial. Setor Hípico. Setor Hospitalar. Setor de Autarquias. Setor de Postos e Motéis. Setor Gráfico. Setor de Mansões. Desconfio seriamente de que Lucio Costa tinha TOC.

- A conta é fácil: avenidas de 6 pistas + limite de 60 quilômetros por hora = 6 multas por excesso de velocidade em 6 meses.

- Brasília quer porque quer ser o Rio de Janeiro, e esse delírio wannabe resulta em coisas muito deprimentes, como o desfile das escolas de samba no Ceilambódromo, campeonatos de wakesurf no Lago Paranoá e buzinaços sempre que o Flamengo ganha um jogo (considerando que aqui normalmente as buzinas são acessórios dos carros tão pouco usados quanto, digamos, os aquecedores em Cuiabá).

- Para ir ao banheiro em 99% dos bares de Brasília, é preciso subir ou descer uma escada. É óbvio que o arquiteto que fez esses projetos era abstêmio.

- Quando a minha pele começou a parecer a de um jacaré por causa da umidade relativa do ar ridiculamente baixa de 15%, fui obrigada a rever o que para mim era uma opinião definitiva: a de que hidratante só serve para deixar a gente melecada.

08 fevereiro 2009

Sonhos de Consumo

- Um liquidificador com copo de vidro: para que a sopa não fique com cheiro de suco de maracujá, e vice-versa
- Um animal de estimação auto-limpante e que faça fotossíntese
- Uma coletânea com todas as tirinhas dos Peanuts
- Um apartamento onde caibam: um fogão de verdade, uma máquina de lavar, todos os meus livros, mais do que 4 pessoas ao mesmo tempo
- Estoque infinito de canetinhas coloridas Stabilo
- iPod colorido
- Uma bicicleta
- Uma máquina de teletransporte (o que os cientistas andam fazendo que ainda não inventaram isso?)
- Um par de pulmões extra: para poder fumar sem culpa
- Coração à prova de saudades: por motivos óbvios

02 fevereiro 2009

Segunda-Feira

Antes mesmo de despertar, percebeu que não havia mais amor.
A revelação saiu das mesmas cavernas de onde vem os sonhos que se perdem da lembrança. Naquele primeiro minuto – olhos ainda fechados, pernas e braços feitos algodão pelo sono - todas as peças se juntaram em sua cabeça com a clareza das verdades absolutas.
O amor acabou.
Claro como a luz do sol entrando pela janela.
O amor acabou.
Claro como a segunda-feira que se anunciava no som do trânsito que vinha da rua.
Teve medo de abrir os olhos e tornar ainda mais real o que seu coração já sabia ser evidente. Pediu com toda a força que o calendário voltasse para o tempo em que o amor cobria todo o cotidiano com um véu de doçura e cada momento guardava em si a expectativa de uma felicidade nunca antes experimentada. Mas tudo aquilo que na noite anterior fora tão certo e tão seu agora parecia pertencer a outra vida, outra era, outra pessoa diferente daquela que acordava.
O amor acabou.
A semana e todo o resto de seus anos apenas começavam, e o amor havia morrido. Um raio de sol se derramou por seu rosto, o despertador tocou com urgência e o último vestígio de sono abandonou seu corpo. Levantou-se da cama sem saber se reaprenderia a caminhar sem o amor para dar rumo a seus passos e se voltaria a ser feliz agora que havia perdido a chave dos seus sorrisos.
O amor havia acabado.
A vida, implacável, exigia continuar.

19 janeiro 2009

Carta sem Endereço

Essa noite eu sonhei com você, e senti saudades.

Lembrei daquela festinha louca, do ventilador que não parava de rodar – assim como a minha cabeça – com as luzes coloridas por trás, me deixando tonta, e você dançando na minha frente, me deixando ainda mais tonta, em um apartamento que eu não lembro onde era.

Sua especialidade era me deixar tonta. Tonta de tantos beijos em tantos lugares improváveis, tonta de suas conversas que me davam medo, sobre morrer cedo, sobre os extraterrestres, sobre livros obscuros que só você conhecia. Porque eu sempre fui tão certinha, e você sempre foi tão doido, que a gente nunca poderia mesmo ter dado certo.

Mas nós demos certo à nossa maneira, e eu era feliz quando você ainda nem sabia meu nome e nós passávamos horas no telefone, eu deitada no chão do meu quarto com as pernas para o alto, te ouvindo falar sobre tantas loucuras, e querendo que você me levasse com você para experimentar cada uma delas.

Aquela festa, eu naquele vestido preto tão decotado, e você me olhando e tentando desvendar se eu era eu mesma, a voz do telefone. E eu fugindo do que eu mais queria, como costumo fazer. E depois você me beijando, me falando que eu parecia uma personagem de um filme de Almodóvar, e eu até hoje sem saber se isso foi uma crítica ou um elogio.

Você segurando a minha mão e me levando para conhecer seus amigos de apelidos esquisitos e hábitos mais ainda. Você comigo naquele aniversário num jardim, elogiando meu vestido cor-de-rosa, eu encantada com seu encanto por mim. Nesse dia você dançou com minha amiga, e eu senti uma sombra de ciúme apagar o brilho em meus olhos, mas isso você não viu, e eu nunca te falei por puro orgulho.

Eu beijando as suas tatuagens enquanto você admirava minha pele sem marcas. Eu com você te matriculando na faculdade, preenchendo tantas fichas com seu nome, seu endereço, sua data de nascimento e todas as coisas que menos importavam sobre você.

Eu e você acordando no sofá da sala, sem saber até hoje como fomos parar lá, depois de uma noite de excessos e delícias. Eu escorregando pela parede da cozinha, dançando tão leve, e você rindo de mim. Porque você sempre me pedia para dançar para você, e eu sempre tinha vergonha, até que um dia você me ensinou como se fazia, e eu nunca mais esqueci.

Você me falando mil vezes que tinha planos para mim, comigo, e eu com medo de sua inconstância, com medo de me machucar, tentando manter uma distância que, no fim das contas, não me protegeu de nada. Eu com medo de me envolver com você, mas te vendo todos os dias, e querendo te ver sempre mais. Sair do trabalho, passar na sua casa, ficar com você até o horário da sua aula: essa foi a rotina que eu segui por tantos dias, sem sentir nem pensar.

O interfone tocava domingo de tarde, e era sempre você me fazendo surpresas. Eu não sabia como te encontraria: ou pulando em meu pescoço e me cobrindo de beijos, numa alegria que atordoava, ou pedindo meu colo para chorar. Ver você chorando me dava medo, porque você era tão grande e tão confiante, tão maior que tudo, que eu não sabia se poderia tomar conta de você, e realmente não pude. Às vezes, por motivo nenhum ou por todos os motivos do mundo, você chegava se sentindo mal, mal da vida, mal de tudo, e tudo o que eu queria era conseguir fazer passar a sua inquietude, mas isso eu também não soube fazer.

As horas intermináveis de TV e sofá, o sono que me dava no meio de todos os filmes que assistíamos juntos, e você me acordando para me levar para a cama com os travesseiros arrumados do jeito que eu mais gosto.

Todo o ciúme que eu sentia de sua ex-namorada, todo o ciúme que você sentia de meus amigos, e que me ofendia tanto. As mentiras que eu te contei sem nenhum motivo, e que foram descobertas, uma a uma. E você sempre me dizendo toda a verdade, porque você nunca soube mentir, e sempre soube ser descaradamente sincero de uma forma adorável e irresistível.

Nossas brigas por telefone, os silêncios, os soluços, as decisões de viver a partir daquele momento sem nunca mais pensar em você. Então eu caprichava na maquiagem e na pose e ia para as festas, mas não conseguia me divertir. Depois de alguns dias, a gente se falava, e nem era preciso fazer as pazes: tudo voltava ao normal quando você falava o meu nome daquele seu jeito.

Então um dia você me falou que ia viajar, e eu me despedi de você na véspera, desejando boa viagem, sorrindo com a certeza de te reencontrar na volta com um monte de histórias absurdas e engraçadas para contar. Mas você foi, e não voltou. Ficou no meio do caminho, numa curva qualquer de uma estrada qualquer, esses detalhes eu nunca quis saber. Só me contaram que você tinha morrido, assim, desse jeito mesmo, porque para esse tipo de notícia não há eufemismo possível.

E eu fiquei tão assustada, porque a sua morte me parecia ainda mais absurda do que as mortes costumam parecer. Porque você vivia a sua vida acreditando que ia dar tempo para tudo, e que tudo ia dar certo no final, e acho que foi justamente isso que fez com que eu, que sou tão pessimista, me apaixonasse por você. E eu estaria mentindo se dissesse que fiquei triste, porque na realidade eu não consegui sentir nada, só o susto que me deixou sem palavras e sem lágrimas, vagando no meio de pessoas que me olhavam com pena, e me diziam coisas que não faziam o menor sentido. Eu não era capaz de reconhecer nenhum rosto e nenhum gesto de consolo. Só conseguia me sentir perplexa e hipnotizada pelo impossível.

Mas agora, que tanto tempo já se passou, apesar da saudade que ainda dói, eu consigo sorrir quando penso em todas as lembranças doces que você deixou, e não sinto mais medo quando você me visita nos meus sonhos.

12 janeiro 2009

Hipocondria

Tudo começou com uns suspiros. Depois, veio uma tremedeira nos joelhos. Então, olhos lacrimejantes, palpitações e devaneios.

Me assustei. Imaginei os suspiros fossem causados por alguma disfunção respiratória. A tremedeira nos joelhos bem que poderia ser o princípio de um Mal de Parkinson, os olhos lacrimejantes com certeza eram resultado de um problema oftalmológico. As palpitações indicavam claramente uma deficiência cardíaca. Mas o mais preocupante eram os devaneios. “Será que estou ficando louca?” – pensei.

Logo procurei um médico, e expliquei a ele todos os sintomas. Enquanto ele me escutava com interesse, torcia para que ele descobrisse logo qual a doença misteriosa que me acometia. Talvez um vírus africano desconhecido, ou quem sabe uma dessas síndromes raras com nome alemão que só atingem 0,0000001% da população.

Quando acabei meu longo e detalhado relato, perguntei, aflita:

- Então, doutor? O que eu tenho? Pode ser bem sincero, eu estou preparada para o pior – afinal, já tinha pensado na possibilidade do vírus africano e da síndrome rara.

O médico me olhou com uma expressão muito séria e me respondeu:

- Receio que você esteja sofrendo de amor.
- Amor?! Mas essa doença não foi totalmente erradicada através das campanhas de vacinação?
- Ainda ocorrem alguns casos isolados...

O médico continuou sua explicação, mas eu, atordoada, não podia compreender suas palavras.

A suspeita da síndrome rara quase se confirmava. Era o fim. Me imaginei vivendo numa colônia isolada, como as dos leprosos, cercada por enfermeiras de máscaras que vinham me dar papinhas de doente todos os dias, enquanto eu definhava.

Quando voltei a mim, ouvi o médico dizer:

- ... mas, com os avanços das pesquisas no campo da medicina, já temos uma cura para este mal raro.

Cura! Então havia uma esperança! Meus dias não estavam contados e eu podia esquecer a vida de leprosa. Animada, arrisquei:

- Estou disposta a me submeter a qualquer tratamento, doutor. Cirurgia, sessões de quimioterapia, até acupuntura, se for preciso!
- É mais simples que isso...
- Xarope? Pomadas? Aspirina? Repouso? – arrisquei

Então, o médico me explicou: para me curar, só preciso de doses regulares de você, todos os dias, e sem efeitos colaterais. Mas se eu não seguir o tratamento direitinho, a depender da evolução do meu estado, vou ter que ser mantida sob o efeito de sedativos ou, na pior das hipóteses, numa camisa de força.

Você vai ter coragem de negar auxílio a uma pobre enferma?

(Texto escrito em mil novecentos e dezessete anos)

Hora Extra

Pauta de hoje:
9:00h: Uma promessa frustrada de romance tórrido
11:00h: Uma declaração de amor à moda antiga
(Pausa para almoço e manicure)
14:00h: Suspiros pela volta de alguém que está longe
16:00h: Conversas sem sentido com alguém sem futuro
18:00h: Convites para visitas com décimas terceiras intenções

Fora o trabalho.

E meu coração fazendo hora extra para dar conta de tantas atribuições.

08 dezembro 2008

Contraste

Luzes de cidades distantes te cegam, seus olhos se afogam e seus pensamentos se perdem em telas de cinema projetadas no céu. Personagens femininas de ar apaixonantemente perturbado se materializam em sua vida real, e elas tem longas pernas, bocas vermelhas e gargalhadas espontâneas que se congelam em enquadramentos estranhos, numa vida muito mais divertida do que tudo que posso te oferecer. Eu sei das mãos que se estendem para você te oferecendo guloseimas, posso ver as janelas refletidas no brilho de suas unhas e imaginar o gosto doce derretendo quente em sua língua, por isso não te culpo por me preterir. Eu também cairia no canto da sereia, se na minha vida houvesse outro som além da TV ligada. Olho minhas banalidades – o jeito como alguns fios de cabelo sobram na nuca quando faço um rabo de cavalo, calcinhas coloridas, as flores na sala – pensando como elas pareceriam a seus olhos, mas tudo sempre me parece bobo e fútil. Porque, no fim das contas, tudo o que posso te dar sou só eu, com minhas manias, meus medos adolescentes, alguns livros certos, um monte de músicas erradas, pizza delivery no jantar, sábado à tarde com a cabeça no seu ombro no cinema e um sorriso forçado nas fotos na esperança de ser bonita.